17 fevereiro 2008

A aula da vida

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br

A defasagem do calendário letivo do Cefet, por conta de paralisações pretéritas de servidores, permitiu ao professor, já conhecendo os alunos, conversar mais detalhadamente sobre o recesso em torno do Carnaval, antes de retomar os conteúdos programáticos. Neste processo, este articulista trouxe para o leitor, dois casos que demonstram, como a educação se mistura com a vida e, como é possível, despertar o aprendizado, a partir da realidade de vida do aluno.

Depois das boas vindas, um texto para engrenar os estudos. A aula era de gestão da produção. O artigo tratava da implantação de políticas chamadas de colaboracionistas e participativas, no aperfeiçoamento de gestão no setor público ou privado, na indústria ou na área de serviços.

Um tempo para leitura e ainda antes do espaço para o debate, um papo sobre a vida nos dias de recesso. A Alice perguntei como tinha sido a viagem com o marido peruano ao país dele. Instantes interessantes de exclamação e indagação de colegas e até do professor, sobre a realidade atual de um país latino. Costumes, cultura, emprego, universidade, um rápido passeio que abriu espaços para discutir como, o “modus vivendi” de determinadas populações são influenciadas pela mídia, pelo estímulo ao consumo e pela idéia preponderante do ter, ao invés do ser. Uma ponte com o texto que citava o livro “Construindo uma sociedade onde todos ganhem”, da Hazel Handerson que aborda a possibilidade de se mudar a concepção do consumir mais, para produzir mais, gerar mais emprego, como se não houvesse limites.

Voltando às experiências do recesso letivo, Sidimar, que trabalha numa empresa de embarcação contratada da Petrobras, relatou a trágica experiência, vivida na véspera, de um assalto à mão armada, ao voltar para casa, no Parque São Mateus, numa kombi “pirata” à beira da BR-101.

Junto da análise da violência na região, o fato de ter ficado descalço por decisão dos assaltantes que quiseram seu tênis, junto de um estimado cordão, acabou levando a aula de volta ao tema da cultura do ter e não do ser. Assim, o tema da colaboração em ambientes de trabalho, previsto no conteúdo programático, pôde ser trabalhado num contexto real. Conclusões são pouco importantes num ambiente de sala de aula, onde, na maioria das vezes, o papel do professor é o de provocar, instigar e fazer pensar. Bom ano letivo a alunos e professores!

PS.: Publicado na Folha da Manhã em 15 de fevereiro de 2008. As palavras ou frases em itálico completam o artigo publicado no jornal.

08 fevereiro 2008

O preto no branco das Cinzas

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br

É comum que as Cinzas permitam que a gente possa ver melhor. Algo assim como o preto sobre o branco da realidade. Nossas cidades mudaram. Não são mais os inocentes territórios interioranos de até três décadas atrás.

O que de progresso e deterioração temos assistidos ao longo destes anos? O meio ambiente está cada vez mais dilapidado. A violência campeando, leva homens, mulheres e jovens, tanto em acidentes bárbaros e desnecessários nas vias urbanas e estradas, quanto nos homicídios bestas, originados em discussões sem nexo de bares e quiosques, nas áreas centrais ou periféricas.

O emprego público não é mais a ocupação romântica que os caciques políticos arrumavam para os seus cabos eleitorais. Agora ele foi democraticamente ampliado como alternativa, tanto para soldados, quanto para doutores. Agora muito mais que antes, ele mantém os currais de votos que sustentam o poder político, não mais oriundos das moendas, mas dos royalties extraídos na plataforma do mar, que antes eram apenas balneários de veranistas.

Temos mais médicos, professores e advogados, mas agora se adoece mais, aprende-se menos e diverge-se mais com tudo e todos. Temos mais e carecemos de cada vez mais. Os limites dos valores como a ética se parecem com aqueles velhos elásticos puídos e esgarçados pela insistência em ultrapassar seus alcances.

Assim, o saudosismo acaba sendo um legítimo e saudável exercício da quaresma que se pretenda renovadora. As caras novas tornam-se pálidas antes mesmo das assunções.
Nem a boa notícia do crescimento vertiginoso dos espaços de estudos, nos diferentes graus de ensino parece produzir ensinamentos e disposição de transformação.

Não se fala de pueris mudanças ou ingênuos sonhos de aperfeiçoamento das máquinas públicas, ou mesmo, dos empreendimentos que apesar de privados, cada vez mais se sustentam nas tetas gordas do dinheiro público que circulam em malas, malinhas e maletas.

Enfim, que em nossos pensamentos e orações das cinzas da quaresma, limitadas no tempo marcado nos relógios modernos, cravejados de diamantes dos doutores, nos dêem a fraternidade do perdão, mas especialmente, o desejo de que Deus nos livre e guarde de todo este mal.

PS.: Publicado na Folha da Manhã em 08 de fevereiro de 2008. As palavras em itálico no último parágrafo do artigo não saíram no jornal.

02 fevereiro 2008

Carnaval, violência e estatísticas

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br

O simples fato de tentar mostrar relação entre as três já pode ser coisa de Momo, mas vamos em frente. No Rio, o Cordão do Bola Preta foi despejado de sua sede e, ainda assim, saiu na semana passada e voltará a sair amanhã. Reclamou a ajuda do poder público para quitar dívida que evitaria a liquidação de sua sede, mas mesmo sem, não deixou seus adeptos na mão.

Pois bem, em Campos foi o inverso. Faltando apenas quatro dias para o Momo, a prefeitura repassou o dinheiro às entidades carnavalescas. Questiono as entidades que dependem exclusivamente destes recursos para se manterem. Porém, o caso aqui é mais que isso.

A prefeitura informou na terça-feira, em seu próprio site, que uma das agremiações, a escola de samba "Os Independentes" apesar de ter recebido a verba de R$ 53.946,00 teria optado - pelo visto com a concordância do poder público - por não desfilar e assim utilizar o valor recebido na compra de uma sede própria.

Algo deve estar errado, ou então, o carnaval já começou e eu não sabia. A ajuda é para o desfile, porque se imagina que só pudesse receber ajuda as entidades já instituídas, mas não e... “me dá um dinheiro aí! Não vai dar? Não vai dar não? Você vai ver a grande confusão...”

Eu avisei que havia ligação entre carnaval, violência e estatística. Pois bem, estatística há para todo gosto e interesse. Tem gente que se apropria do PIB (Produto Ilusório Bruto) considerando que toda a riqueza do petróleo circula por aqui e não apenas a dos royalties.

A mais nova estatística na área surge igual a dos torcedores que levam faixas escritas para serem filmadas pelas TVs nas arquibancadas: “Eu já sabia”. Divulgada na quarta, o “Mapa da violência nos municípios” mostrou que Campos entre as mais de cinco mil cidades brasileiras como o terceiro maior índice (proporcional à sua população) em óbitos no trânsito.

Especialistas dizem que são grandes as chances de Campos subir, neste negativo ranking, com os números de 2007. Samba do crioulo doido nas estatísticas e no carnaval não é novidade para ninguém, a não ser para aqueles que duvidaram da falta de elo entre os temas do título.

Só que as coisas vão além, pois carnaval e violência estão também no mau uso dos recursos públicos que nenhuma estatística consegue dar conta. Enfim, Paz e bom carnaval a todos e... me dá, me dá, me dá um dinheiro aí!

PS.: Publicado na Folha da Manhã em 01-02-08 sem o último parágrafo, eliminado por falta de espaço.