25 agosto 2006

O futuro de Josivan

Roberto Moraes Pessanha
Engenheiro e professor do Cefet Campos
e-mail: moraes@fmanha.com.br

Josivan Rangel Peixoto tem 11 anos. Estuda no Colégio do Açu e quando não tem aula, apanha a bicicleta do pai para ir até a lagoa do Açu pegar “sassá-mutema”. Sem saber da violência que ronda as cidades, sonha quando crescer, em ser policial.

Não há como não associar a história deste menino com a do policial morto semana passada, quando no exercício do seu ofício, foi alvejado por um marginal que ameaçava a mãe.

Conheci Josivan em mais uma visita pelo interior da nossa região que tenho feito quinzenalmente acompanhado de amigos que aceitaram minha provocação de conhecer mais profundamente nossa própria terra e nossa gente. Algumas das imagens produzidas você pode ver em diversos álbuns de fotografias expostos em meu blog: http://robertomoraes.blogspot.com/.

Era final de tarde caminhávamos para a região do Açu, para onde está prevista a instalação do porto para exportação de minério de ferro. A vida tranqüila e de pouca esperança em nada foi até agora modificada pelo anúncio do investimento.

O bonito colégio do Açu, recém-reformado, sedia sonhos acalentados por crianças, jovens e adultos. Como em diversas partes do nosso litoral, sempre se encontra gente que, fugindo das pressões da cidade grande, agora reclama do marasmo da vida pacata da localidade que se mantém interiorana, mesmo estando à beira-mar.

O que faz uma criança expressar com tanta decisão e empolgação o desejo de ser policial? Alguns dirão que não há novidade, neste desejo comum a tantas outras crianças em toda a parte do mundo. Pode ser que sim, mas pode ser que não, porque nunca haverá uma trajetória de vida igual à outra. Josivan com o rosto lambusado da lama presente no fundo da lagoa de onde, em meio às raízes da taboa, pega os peixes com a disposição e a coragem que imagina ver num policial que protege as pessoas do mal.

Josivan ao ser abordado e solicitado para fotos não perguntou os motivos, num misto de espanto, mas também de interesse em se mostrar decidido, pousou e conversou como adulto. Ao fazer a pergunta comum de quem julga que a lógica do estudo e da ascensão social deveria ser uma obrigação, recebi em troca, a informação insistente de que estuda, mas, deseja ser policial.

Este interlocutor daquele praiano decidido, não teve sensibilidade para compreender que o sonho é justo também para aqueles, que a despeito, da violência e do perigo da atividade policial, deseja ser um deles, com o orgulho de servir às pessoas de bem e à sociedade que deseja a paz e a justiça, que nem sempre, a profissão desejava por Josivan consegue viabilizar.

Não há porque duvidar de que Josivan conseguirá alcançar os seus objetivos, da mesma forma que não é concebível que deixemos de acreditar que o mundo pode ser melhor. Acreditar e trabalhar para isso é o nosso papel, mesmo que ao chegar à maturidade percebamos que a caminhada é lenta e tortuosa. Que Josivan trabalhe e alcance os seus sonhos quaisquer que sejam eles!

Publicado em 25 de agosto de 2006 na Folha da Manhã
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20 agosto 2006

Mapa da Firjan – instrumento para debates & ação

Roberto Moraes Pessanha
Engenheiro e professor do Cefet Campos
e-mail:
rmoraes@cefetcampos.br

O Mapa do Desenvolvimento lançado na última quarta-feira, pela Firjan, no Rio de Janeiro, talvez seja até aqui, a única iniciativa que existiu, na campanha ao governo estadual que tentou tirar o processo eleitoral, da disputa entre grupos e do interesse de corporações, para um debate de maior profundidade sobre estratégias, projetos e ações que o nosso estado necessita.

Há que se fazer referência à elevação da posição que a Firjan vem tendo em relação às suas entidades congêneres em outros estados, ao propor o debate de questões mais amplas do que, o também importante, desenvolvimento industrial. Há também que se registrar, a preocupação crescente desta entidade, com as questões que dizem respeito à qualidade da administração pública, e a gestão ambiental numa perspectiva que vai além, das conhecidas, reivindicações corporativas.

Analisando apenas os pontos principais do documento que possui 112 páginas, realço a visão estratégica de se enxergar o estado de uma forma integrada e não mais estanque e dividido por regiões como até então se fez. Neste aspecto, há ainda muito em que se avançar, embora já seja um passo adiante se olhar para além, da velha dicotomia entre a região metropolitana e o interior.

Outro aspecto a ser citado é que muito mais que um diagnóstico, o documento é propositivo e prevê um período decenal, como prazo estratégico para o desenvolvimento das ações com metas quantificadas, o que ajuda e incentiva, os gestores a perseguirem estes objetivos.

Merece ainda destaque o estímulo ao debate das propostas apresentadas, o que subentende, a predisposição ao diálogo e a substituição da visão de dono da verdade, para a de parceiro na construção do desenvolvimento econômico e social do estado.

Nesta mesma linha, torço para que a ação estratégica de defesa da elaboração compartilhada e também o monitoramento, controle e avaliação dos orçamentos do estado e dos municípios sejam, efetivamente perseguidos, com o propósito de se viabilizar uma governança eficiente e transparente.

Bom que os candidatos saiam do formalismo do elogio puro e simples à iniciativa e partam para o debate das propostas, dizendo de que forma pretendem implantar aquilo com o qual concordam e as mudanças que julgam necessárias à construção de um estado mais forte e igualitário junto com outras forças vivas da sociedade.

O conhecimento e o debate sobre os pontos levantados pelo Mapa podem ajudar a sociedade a se instrumentalizar para a cobrança e o exercício daquilo que hoje se denomina como controle social das ações governamentais.

Bom que o debate sobre o Mapa seja feito em diferentes regiões de nosso estado. Desta forma, espero que as eleições, que ocorrerão em pouco mais de um mês, possam sair do ambiente pobre de idéias e debates, numa tônica similar, a que vivemos nos últimos oito anos em nosso estado.

Publicado na Folha da Manhã em 18 de agosto de 2006.

13 agosto 2006

Anuário – boa medida & registro

Roberto Moraes Pessanha
Engenheiro e professor do Cefet Campos
e-mail:
rmoraes@cefetcampos.br

Bom que a prefeitura de Campos tenha lançado o Anuário com dados e indicadores do município. Ele pode ser um efetivo instrumento de administração na medida que, seja utilizado para hierarquizar prioridades, monitorar e avaliar políticas públicas nas diversas áreas, fugindo do achismo e do clientelismo, que muitas vezes são determinantes na decisão do gestor público.

Melhor ainda, se a partir dele, a gestão municipal fixar objetivos e metas a serem cumpridas, numa agenda e numa visão de planejamento estratégico, para um período superior a de um mandato.

Neste tipo de publicação, os dados e os indicadores envelhecem muito rapidamente. Por isso, deve ser atualizado permanentemente, garantindo o que determina o nome da publicação, algo fácil de ser feito, depois que se domina as ferramentas de busca e de coleta dos dados. Para efeito de interpretação e avaliação das políticas públicas é fundamental a existência de séries históricas, que permitam avaliar a evolução ou involução de determinadas áreas e/ou políticas, projetos e ações.

É importante também se ter a visão de que a estatística, os números e os dados não falam por si só. O gestor não pode se prender a uma leitura puramente tecnocrática deles. É fundamental que a partir deles, se amplie a leitura dos indicadores para além daquelas feitas pelos técnicos de cada área. Só assim se poderá incorporar nesta análise dos dados, a realidade de quem vive e sofre o dia-a-dia daquilo que aprece sob a forma de números.

Neste sentido, é interessante que o Anuário tenha sido publicado ainda antes da conclusão da reformulação do Plano Diretor do município. Espera-se com isto, que as discussões comunitárias possam incorporar, de maneira eficiente e pragmática, a interpretação dos indicadores por área temática ou por espaço geográfico entre os bairros e os distritos.

Aproveito ao me referir ao assunto, para fazer justiça ao professor e pesquisador Romeu e Silva Neto, que desde que a prefeitura, ainda em 2004, resolveu elaborar tal publicação, se tornou a pessoa chave que articulou com o pessoal da Fundação CIDE-RJ e outros técnicos, a formação da equipe que iniciou a elaboração do Anuário. Romeu como coordenador do curso de Engenharia de Produção do Isecensa, também levou para o projeto, a sua experiência como coordenador do Observatório Socioeconômico da Região Norte Fluminense, que desde 2000, vem publicando boletins em diversas áreas com apresentação e análises de dados de toda a região.

Finalizo defendendo que, ainda mais que o prefeito, os secretários podem, ou melhor, devem, com suas equipes, aproveitar o Anuário para também ampliar o diagnóstico para além de seus números e começar a reformular e planejar suas políticas, projetos e ações já com vistas ao orçamento do próximo ano. Mãos à obra!

Publicado na Folha da Manhã de 11 de agosto de 2006.


07 agosto 2006

Para que tanta ambulância?

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail:moraes@fmanha.com.br

Muito se tem falado sobre a corrupção das sanguessugas. Bom que se apure todo o esquema e também os responsáveis pelo escândalo em que parlamentares, autores de emendas ao Orçamento da União, são suspeitos de terem recebido dinheiro ou extraído vantagens, pela venda superfaturada de ambulâncias a prefeituras com o dinheiro público obtido nestas emendas. Porém, ainda não vi e nem li, nenhum comentário questionando o por quê da necessidade de tantas ambulâncias.

Em nosso país, há algum tempo se passou a confundir saúde com transporte de doentes. O esquema que começou com político se elegendo através do transporte de eleitores-doentes ou doentes-eleitores, passou para a gestão pública de forma cada vez mais intensa.

Certa vez ouvi de uma fonte de credibilidade, a informação de que Porto Alegre mesmo sendo uma metrópole que tinha seus problemas de gestão de saúde pública razoavelmente bem administrados, possuía apenas quinze ambulâncias que davam conta da demanda local. Para se ter uma idéia da discrepância, em Campos, só a prefeitura, já chegou a ter quase cem ambulâncias.

Não é difícil entender que em municípios pequenos, a principal solução que seus prefeitos adotam na área de saúde é o de transportá-los até aos hospitais e clínicas das cidades maiores. Porém, ao inverso, torna-se incompreensível que nestas cidades, mesmo, mais adensadas populacionalmente, se possua tanta necessidade de transporte de doentes.

Pergunto: quem nunca presenciou, nas primeiras horas da manhã, nas redondezas do nosso mercado municipal, ambulâncias de diversas localidades do nosso interior, desembarcar “falsos doentes” que serelepes saem a caminhar aceleradamente em busca do comércio? Não seria nenhum exagero dizer que, em muitos casos, estes veículos estão mais para táxis do que para ambulâncias.

Os gastos extras bancados pelo “erário público” por conta desta farra, não se restringem aos gastos com combustíveis. Vai muito além. Cada ambulância tem pelo menos três motoristas. A manutenção dos carros envolve custos consideráveis com lavagem, consertos, reposição de peças e toda uma estrutura de gestão que envolve chefes, subchefes, aspones, etc. As despesas com estas estruturas são cada vez maiores e com isso, o objeto da sua original necessidade que é a saúde do cidadão, acaba ficando pelo caminho.

O governo federal tem ou tinha um programa interessante que exigia o deslocamento de profissionais da saúde para o atendimento de doentes crônicos, no próprio domicílio, com a finalidade de reduzir a superlotação das emergências. Este tipo de programa exige transporte de especialistas, mas não de ambulâncias. Não sei que fim levou, nem este e nem o famoso PSF (Programa de Saúde da Família). Ambos interessantíssimos no papel, mas que parecem sucumbir junto com o barro das periferias das nossas cidades em dia de chuva. Se estivessem funcionando razoavelmente, tenderiam também a reduzir as demandas por estas ambulâncias. Porém, parece mais que nunca estar em vigência a política que determina a criação de dificuldades para a venda de facilidades. Encerro voltando ao ponto inicial: será mesmo necessária tanta ambulância?

Publicado na Folha da Manhã de 4 de agosto de 2006.