25 junho 2006

Será fácil culpar mais um Severino

Um nome conhecido na construção civil, um setor já distinguido pelos altos índices de acidentes. Noite de quinta para sexta-feira, por volta de uma e meia, muito vento e muita chuva, no final da nossa conhecida rua Sete, agora, avenida Alberto Lamego. Uma obra de construção como qualquer outra.

Severino Costa, 40 anos, um operador de gruas e guindastes percebendo as condições adversas teria se recusado a subir para operar a máquina. Já estava acostumado ao trabalho noturno na obra, porém, mesmo com o pouco de treinamento que teve, sabia que não era recomendável a operação naquelas circunstâncias.

Severino como a maioria dos seus companheiros, não estudou o suficiente para fazer contas que pudesse justificar aos seus superiores, a suspensão do trabalho, por considerar que os fortes ventos equivaleriam a um tanto significativo de peso que diminuiria o valor máximo permitido a ser içado e transportado pelo equipamento.

Severino não sabe, mas, a baixa escolaridade é um dos fatores que se atribui para que o setor seja o campeão em acidentes do trabalho no país. Apesar disso, Severino sempre soube que os riscos do setor são ampliados pelo fato de ser um trabalho executado, em ambiente externo sujeito a sol, chuvas, ventos e trovoadas.

Severino não sabia, mas, percebia que o fato das obras terem hoje, um rodízio de empresas terceirizadas que chegam e saem das obras, conforme concluem seus trabalhos, torna muitas vezes, o trabalho ainda mais arriscado, pela falta de conhecimento e comunicação entre as pessoas.

Severino, no meio da segunda hora da madrugada de sexta-feira, também sentiu a pressão que o prazo de conclusão de uma obra pública exerce, até sobre o bom senso das pessoas.

Severino, em meio a tudo isso, subiu ao alto da cabine do equipamento a mais de 20 metros de altura com medos e pressentimentos. Lembrou da mulher e dos filhos que deixou no Rio de Janeiro. O tremor que teve, Severino atribuiu ao frio. Começou a operar a grua até sentir o tremor na cabine e daí por diante Severino: “flutuou no ar como se fosse um príncipe e se acabou no chão feito um pacote bêbado”.

O engenheiro da obra disse aos jornais: “Vamos avaliar todas as hipóteses. Não descartamos também a última possibilidade, de ter ocorrido uma falha de Severino”. Severino sabia que ajudava a construir um espaço que chamam de Centro de Convenções, onde festas e manifestações artísticas acontecerão ao longo de décadas. Severino só não esperava encerrar ali, a arte do seu ofício e a festa que até então era a sua vida. Diante dos fatos e circunstâncias, mais uma vez, será fácil culpar um Severino. Como Chico Buarque, na música Construção, também lhe digo: “Deus lhe pague!”

Roberto Moraes Pessanha
Engenheiro de Segurança do Trabalho
e-mail: moraes@fmanha.com.br

PS.: Artigo publicado na Folha da Manhã do dia 25 de outubro de 2006.

24 junho 2006

Finalmente, uma proposta interessante!

Roberto Moraes Pessanha

Professor do Cefet Campos

e-mail: rmoraes@cefetcampos.br


Através da jornalista Júlia Assis da Folha da Manhã tomei conhecimento que o Ministério dos Transportes estava procedendo a estudos sobre a viabilidade da retomada do transporte ferroviário de passageiros entre Campos e Macaé e possivelmente o Rio de Janeiro. Minha reação foi um misto de descrédito e empolgação. Pensei alto: finalmente uma proposta inovadora!

Ainda estimulado imaginei que esta poderia ser uma forma da nossa região começar a apresentar um conjunto de empreendimentos como compensação pela perda do Complexo Petroquímico para Itaboraí. Neste sentido, a localização de Itaboraí entre Campos, Macaé e o Rio de Janeiro ajuda na decisão da dotação de uma infra-estrutura mais significativa de transporte.

Coincidentemente, em 2006, completa-se 150 anos da construção da primeira ferrovia no país. O empreendedor, mesmo na época do império, foi um particular, Irineu Evangelista, o depois condecorado, Barão de Mauá. A estrada era a que ligava o Rio de Janeiro a Petrópolis.

Infelizmente um planejador equivocado e/ou mal intencionado desacreditou este tipo de transporte em nosso país. O equívoco não tinha lastro em experiências de outras regiões do mundo.

No Reino Unido, a também sesquicentenária ferrovia que liga Londres a Glasgow está sendo reformada com instalação de novos trilhos, substituição dos dormentes, sinalização, etc. Para se ter uma noção da importância econômica que representa esta ferrovia, saiba que toda a sua reforma está sendo feita sem que haja interrupção para além da meia noite da sexta-feira até as dezoito horas do domingo. Nos 2.672 quilômetros circulam 2,5 milhões de passageiros por mês que utilizam modernos trens italianos que circulam a uma velocidade de até 200 quilômetros por hora.

Sonhar com algo semelhante entre a principal zona de produção de petróleo da América Latina e a principal receptora do turismo internacional brasileiro, o Rio de Janeiro, não pode ser ficção. Imagine se um ramal possibilitasse um pouso em Cabo Frio e Búzios. A caminho dos Campos dos índios Goytacazes, uma parada na base petrolífera de Macaé poderia oferecer um pouso histórico nas paragens que já hospedou D. Pedro II em Quissamã. A retomada do caminho só poderia se dar após a visita ao pantanal fluminense que se hospeda no parque Jurubatiba.

Em nossos Campos, o roteiro do Imbé e suas serras junto ao parque do Desengano e das cachoeiras de São Fidélis seriam também fortes atrativos. Nos planejamentos turísticos já se sabe, também há algum tempo, que o turismo torna-se viável e uma real alternativa econômica, quando se trabalha regionalmente com roteiros e não com pontos isolados. Melhor ainda se estes roteiros puderem ser com temas complementares como turismo de mar, de negócios, de lazer, aventura, rural e ecológico como os descritos acima.

É preciso que se inove. É necessário pensar grande, para só depois realizar o possível com parcerias entre municípios vizinhos, estado e a união. Um bom começo poderia ser esta retomada do transporte de passageiros por ligação ferroviária entre Campos e Macaé. Ela poderia aliviar parte do fluxo diário de quatro mil passageiros que hoje é obrigado a enfrentar a assassina BR-101. É repetitivo, mas importante relembrar: necessita-se de planejamento!

Publicado na Folha da Manhã em 23 de junho de 2006

16 junho 2006

Preconceito

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail:moraes@fmanha.com.br

Muito se fala em preconceito contra o racismo e as opções sexuais, porém ele é mais amplo e atinge outras manifestações. Não sou sociólogo, antropólogo ou cientista social, mas me arriscarei a falar sobre esta doença antiga que vez por outra se mostra mais evidente. Considero que é na política que ela tem sua nuance mais perigosa. Sob o argumento de tratar-se de uma simples crítica ela invade os jornais, as entrevistas, ou mesmo os bate-papos das praças ou botequins.

A etimologia da palavra é simples e clara. Trata-se da emissão antecipada de opiniões e conceitos sem necessidades de análises mais aprofundadas. Algumas vezes são simplórias outras vezes mais rebuscadas como se antes das opiniões o seu portador tivesse ponderado diversos ângulos de uma mesma questão objeto de opinião.

Como podemos desconfiar que ele se evidencia? Quando na formulação ou apresentação dos argumentos a retórica volta sempre ao mesmo ponto. Tenho visto isto freqüentemente em alguns analistas, colunistas e políticos.

César Maia talvez seja hoje um dos ícones deste modelo. Nos seus textos hoje divulgados por e-mail e não mais em seu blog, Maia, mais do que tentar formar opinião a favor dos seus interesses eleitorais, o que não é nenhum problema, ele reforça na sua luta “anti-Lula” o pré-conceito do ex-esquerdista que tenta ocupar um lugar na política brasileira há algum tempo vago como político moderno e direitista assumido. Parece que por osmose tem passado essa forma de ser a outros políticos (as) que gravitam na sua órbita. Assim, a ex-juíza Denise Frossard tem sido enquadrada por conta das suas falas tanto sobre os deficientes quanto, agora, para os favelados.

Preconceito é uma doença da qual nenhum de nós está imune, nem mesmo este articulista que se arrisca em falar de tal assunto tendo muito provavelmente os seus não escondidos. Percebo isso de forma intensa em diversas ocasiões, como por exemplo, na minha rejeição, até ojeriza aos funks entre outros. Os extremos da sua presença evidenciam-se como intolerância que teve como mal maior o vivenciado pela humanidade no período do nazi-fascismo.

Freud ensinou que falar ou verbalizar um problema é uma das formas de se encontrar as suas soluções, ou pelo menos reduzir estes sentimentos. Bom que cada um faça periodicamente um pouco deste exercício. O sujeito que vai se tornando mais fechado e mais pré-conceituoso a todas as idiossincrasias envelhece mais cedo, torna-se mais ácido, mais isolado.

Porém, sob o lado individual, os preconceitos podem não ter conseqüências mais sérias além das rabugices atribuídas entre amigos e adversários. O perigo maior é quando ela passa a ser doença crônica de uma sociedade. Neste caso, os antídotos, antes de ser um remédio para curar uma doença deveria atuar como uma vacina para proteger as coletividades. Aliás, este é o despretensioso desejo deste artigo: o de propor uma dose para cada um de nós e tin-tim!

Publicado na Folha da Manhã de 16 de junho de 2006.

10 junho 2006

Favelas – II

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail:moraes@fmanha.com.br


Depois das afirmações preconceituosas da deputada Frossard sobre o ambiente das favelas, que ela mais uma vez tentará justificar como um mal entendido, tal qual o asco que sente pelos deficientes, vejo que ainda há muitas abordagens a se fazer sobre o tema. Antes, como forma de repudiar as palavras da juíza, quero relembrar a frase, de autoria desconhecida que citei no artigo da semana passada: “a favela é o resultado criativo de uma parte da população que precisa morar”.

Engana-se quem pensa que a solução exclusiva para a questão da favela é a remoção. Aliás, não é um engano, é um erro pensar assim. Em alguns casos, até pode caber a retirada, como foram os casos da Chatuba na beira-valão e dos barracos na Aldeia à margem do rio Paraíba do Sul.

Todos estudos e pesquisas que se aprofundaram na busca de soluções criativas para dar mais dignidade a quem hoje mora nestes ambientes concluem que não há regra e nem mágica para eles. Cada caso é um caso. A manutenção das pessoas junto ao ambiente e território onde vivem é uma forma de manter a memória e a identidade destes moradores.

A transformação de favelas em bairros encontrou soluções interessantes em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Às vezes é melhor reconhecer os esforços públicos que levaram algumas melhorias a estes ambientes, ampliando-os, do que jogando tudo abaixo. É também interessante reconhecer os esforços individuais e familiares dos moradores, do filho que emenda a casa do pai erguida sobre a laje da casa dos avós.

Os estudos também indicam que para cada real investido pelo poder público na melhoria urbana e na instalação de outros equipamentos públicos como creches, escolas, postos de saúde, quadras de esporte, etc., os moradores investem em pequenas melhorias, nas suas habitações, quantia quase equivalente ao gasto público.

Interessantes nestes casos é o envolvimento das comunidades não só na escolha e decisão do projeto ideal, mas na sua participação, na construção, nos serviços ou mesmo na montagem de mutirões. Esta participação aumenta a auto-estima e o zelo com as obras realizadas gerando no futuro a redução nos gastos com manutenção.

Além das favelas, nosso município tem demandas por melhorias nos domicílios da população que não mora nestes agrupamentos, mas habitam áreas ou terrenos invadidos ou próprios em bairros periféricos e precisam do apoio público para sua melhoria. O IBGE identificou no censo de 2000 um total de 2.600 domicílios sem banheiro no município. Desnecessário dizer que os investimentos feitos nesta área representam economia direta na área de saúde.

Por fim, quero fechar este assunto voltando à questão do estigma e do rótulo que se dá aos moradores destas áreas. É preciso romper o preconceito contra o povo pobre que lá mora. A favela às vezes cheira mal porque o esgoto está a céu aberto e o lixeiro não tem estes endereços como rotas. Porém, ao contrário de outros espaços urbanos, por lá é mais fácil se encontrar amizade, solidariedade e calor humano. Estes sentimentos fazem uma favelada repartir o bolo com a vizinha que toma conta do seu filho, enquanto esta realiza a faxina que complementará a sua renda.

Publicado na Folha da Manhã em 9 de junho de 2006.

03 junho 2006

Favelas

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail:moraes@fmanha.com.br

A origem do termo advém de pequenas árvores cuja origem é a caatinga nordestina. Por lá um morro em Canudos de Antônio Conselheiro, na Bahia, ganhou o nome desta vegetação. Parte dos combatentes que sobreviveram ao massacre promovido pelo Exército na guerra de Canudos veio parar no Rio de Janeiro num morro atrás da Central do Brasil. No local, a vegetação semelhante a da caatinga em meio aos barracos erguidos no alto do morro, não demoraram muito a emprestar o nome que passou a ser referido como Morro da Favela.

Daí em diante, todo o agrupamento de construções simples e toscas na antiga capital da República, o Rio de Janeiro, passaram a ter este nome. A conseqüência final foi a transformação do substantivo próprio, em substantivo simples que identificava um determinado número de habitações populares, de construção adaptada, caracterizado por terrenos ou área invadidas, quase sempre sem saneamento e diversas outras necessidades chamadas de básicas.

O termo que passou a ser considerado depreciativo e muitas vezes trocado pelo pleonasmo de comunidades de baixa renda ou simplesmente comunidades, ainda hoje é rejeitado. Nos dias atuais, mesmo com o aprofundamento dos estudos sociológicos e antropológicos é comum ver referência a elas como sendo um problema, um entrave ao desenvolvimento das cidades.

O problema é a falta de moradia e de condições dignas para nossos irmãos de menor renda e não a favela em si. Alguém já disse que “a favela é o resultado criativo de uma parte da população que precisa morar”.Os moradores de lá são personagens da vida pública, com direito e deveres e não podem ser vistos como objetos que atrapalham a vida de uma cidade.

O estigma de lugares violentos e de domínio do tráfico não ajuda a explicar que a ausência do estado e de políticas públicas deixou vago o espaço para estas ocupações que pressionam ainda mais a vida cotidiana do cidadão, que lá vive repleto de necessidades.

As primeiras favelas de Campos nasceram próximas a dois recursos naturais: o rio e a uma lagoa. Ganharam o nome das suas referências: Matadouro e Lagoa do Vigário. Em 1980 eram treze. Em 2000 trinta e duas. Hoje, vinte nove com quase 15 mil moradores em 4.500 domicílios.

O êxodo rural com a expulsão das famílias das fazendas acelerou o processo de busca pela cidade e pela área urbana. Não há como negar que a cidade exerce um fascínio sobre as pessoas. A ilusão do aumento de oportunidades para estudo, trabalho e lazer estimula esta migração.

Embora se deva levar habitação e oportunidades para o campo não há como deter completamente este movimento. As pessoas têm direito constitucional de escolherem para onde ir. Toda e qualquer solução para esta questão precisa levar em conta este princípio. Favela não é uma questão só de infra-estrutura. Favela é uma questão de gente, de ser humano. Portanto, as melhores soluções para ela, devem ser tomadas e decidas com elas e não por elas, como tecnocraticamente alguns imaginam. Volto ao assunto.

Publicado na Folha da Manhã em 2 de junho de 2006.