22 abril 2006

Auto-suficiência: aos petroleiros, o que é deles!

Roberto Moraes Pessanha
Profesor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br

João Amaro está tenso. Vai ao quarto do filho de cinco anos e vê que a febre, como de costume, em toda véspera de seu embarque para a plataforma está de volta. João percebe que o filho, toda a vez que isto se repete a cada 35 dias, finge dormir. Propositalmente não abre o olho como se não quisesse aceitar a despedida pelos próximos quatorze dias. João engole seco, beija a face da esposa, levanta a mochila, suspira fundo e vai em frente.

Segue até a rodoviária silencioso e pensativo. Enfrenta os mais de cem quilômetros de uma estrada perigosa até o aeroporto de Macaé. O período de tempo em que aguarda o vôo até sua plataforma não é menos tenso do que a despedida doída dos familiares.

Nunca conseguiu assimilar bem esta vida dupla e apartada entre trabalho e família ou entre e vida e trabalho. Permanentemente se pergunta e anseia por ter prerrogativa igual ao do irmão que, embora ganhando menos, tem o direito, que para muitos é normal e natural, de poder voltar todo dia para casa. Algumas vezes já sonhou com a cena de poder, como num filme romântico, chegar em casa gritar no portão pelo filho, abraçá-lo, levá-lo ao colo, beijar a esposa e dizer para ambos o quanto são importantes em sua vida.

João aprendeu com o tempo a apagar estes pensamentos que permeia os dias pré e logo após o embarque. Ouviu até alguém falar que se trata de ideologia defensiva, um conceito psicológico que faz alguém propositalmente esquecer algo ou alguém para poder seguir adiante...

Há vinte anos João repete esta rotina. Neste período o filho cresceu. Neste ano concluirá o curso de engenharia, que um dia sonhou cursar. Restringiu-se ao curso técnico da Escola Técnica Federal de Campos, atual Cefet, titulação da qual se orgulha pelos resultados alcançados.

Entrou para a empresa logo após o acidente que produziu 36 mortes na plataforma de Enchova. Aprendeu a conviver com o risco. Viu o aumento vertiginoso da produção chegar junto da automação e da redução dos efetivos embarcados. Sofreu com a implantação do operador faz-tudo, mas ajudou o sindicato na campanha contra o polivalente e o operador mantenedor.

O afundamento da P-36 lhe doeu fundo na alma, pela perda de amigos e pela visão de uma realidade que sempre lhe pareceu impossível pela grandiosidade daquele sistema técnico: o afundamento de uma plataforma, como um monte de ferro-velho retorcido.

Com satisfação e agora com um certo cansaço, viu chegar a política de SMS com uma relação mais humanizada nas relações de trabalho. Hoje com algumas articulações embarca ou desembarca um dia antes ou depois numa flexibilidade que lhe faz sentir mais humano. Nesta rotina João viu seu trabalho ajudar o país chegar a esta comemorada auto-suficiência. Não reclamou por não ter sido convidado para a cerimônia. Hoje reunirá os filhos, a esposa-parceira e os amigos mais próximos diante da Tv para com peito estufado e, provavelmente com os olhos lacrimejados dizer: isto aí tem uma porçãozinha do meu trabalho e do nosso esforço.

PS.: Este artigo real, mas com personagem fictício é uma homenagem a quem efetivamente deu o seu suor e o seu sangue para este sucesso: o petroleiro da Bacia de Campos!

Publicado na Folha da Manhã em 21 de abril de 2006.

15 abril 2006

Carlos, o malaguenho!

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br

O feriado e a semana-santa exigem assunto mais leve e ameno. Abril de 2000: ainda não havia o euro, o dólar barato e as economias acumuladas por um bom tempo permitiram uma viagem de duas semanas a três países europeus. Não precisam desistir da leitura. O que vou contar está muito para além de história pessoal. Por incrível que possa parecer, a rede (internet) ainda não tinha a força que tem hoje. Só para lembrar o site de busca Google ainda não existia. Mesmo assim marquei toda a viagem por ela e também os vôos, hotéis e até táxi de translado.

Uma única exceção foi em Málaga no sul da Espanha. Havia conhecido alguns meses antes um espanhol através de sua militância na ong chamada “Engenharia sem Fronteiras” (Ingenieria Sin Fronteras). Carlos era o seu nome. Havia visitado o Brasil como concludente do curso de engenharia na Universidade de Málaga e era oriundo de outra região no interior e ao norte de Madri.

Através das correspondências por e-mail, Carlos disse que não havia motivos para preocupação e que o hotel ou pousada em Málaga ele mesmo reservava. Como combinado nos aguardou no aeroporto. Disse que tinha uma notícia ruim, a de que havia se esquecido que era semana-santa e quando se lembrou, viu que todos os estabelecimentos já estavam lotados.

Com um sorriso de quem já é íntimo ofereceu o apartamento onde morava com uma irmã e amigos que estava vazio e poderia nos hospedar durante os três dias. Até aí não haveria nenhum problema se eu estivesse só e não acompanhado de mais três mulheres, minha esposa, mãe e tia. Não conhecia o Carlos além de alguns contatos por e-mail. Ao chegar ao seu apartamento fomos surpreendidos por um feijão brasileiro preparado pelo próprio.

Confesso que tive receios quando depois do almoço ele nos deu uma cópia da chave do apartamento e mais um folder turístico da cidade. Disse que não iria nos acompanhar, pois tinha trabalhos e pesquisas da universidade a realizar. Cheguei a me ver perdido e enganado na Europa e no quanto seria ridicularizado por ter caído numa história simplória como essa; enfim...

Com apoio de Carlos passamos três grandes dias em Málaga. Ele ainda nos aconselhou a reservar um dia inteiro para saborear a bela Granada. Novamente pensei, será agora? Pois bem, no quarto dia ao nos acompanhar à estação rodoviária de Málaga onde seguiríamos para Sevilla, insistimos com o Carlos para lhes deixar uma quantia que o ajudasse na manutenção das despesas, já que ele era filho de família simples e que vivia com dinheiro apertado. Recusou por diversas vezes e na derradeira nos solicitou que buscássemos uma família humilde no Brasil e lhes fornecesse a quantia que entendia que lhe era devida. Nunca mais consegui contato com o Carlos.

A exposição desta história, seis anos depois, em mais uma semana-santa, quer só lembrar que apesar das falcatruas de muitos, não podemos julgar o restante do mundo por eles. Num gesto pouco comum a europeus, Carlos nos mostrou que não é uma boa medida desconfiar de tudo e todos em função da minoria. Boa Páscoa!

Publicado na Folha da Manhã de 13 de abril de 2006.

10 abril 2006

Quem cara pálida?

Roberto Moraes Pessanha
Professor e engenheiro

A Folha da Manhã de quarta-feira trouxe matéria do jornalista Alexandre Bastos sobre as atividades da Câmara Municipal. Nela, o vereador Edson Batista faz críticas ao que chamou de inércia da sociedade em não reagir à decisão sobre a localização do Complexo Petroquímico em Itaboraí. Textualmente diz: “o estado fez o possível para trazer a refinaria para Campos, mas a sociedade e o poder público ficaram anestesiados. Não foram capazes de articular uma luta para trazer os investimentos e depois da notícia se renderam. Aceitaram de cócoras o resultado”.

Particularmente fui e continuo sendo contrário à decisão a favor de Itaboraí tomada pela Petrobras e pelo governo federal. Porém, não quero e não posso assumir qualquer responsabilidade em nome da sociedade pelo fracasso, como também não o faria, em nome de um eventual sucesso se a decisão fosse a favor de Campos. Quem costuma agir assim é o governo estadual, como foi no caso da indústria naval quando da decisão da Petrobras em construir no país novas plataformas.

No processo de definição da localização do empreendimento petroquímico o governo do estado teve uma intervenção desastrosa. Teria sido melhor manter a neutralidade que o secretário Victer tinha anunciado no início do processo, quando aqui esteve no Isecensa mostrando a oportunidade do pólo e a estratégia do governo estadual. A partir da defesa da região seguida de novas agressões ao presidente o processo desandou. Não falo de críticas, isso fez o Jarbas Vasconcelos, governador de Pernambuco que mesmo divergindo e se posicionando contra o governo federal garantiu por lá uma refinaria.

Em nome de um projeto pessoal, o grupo político que assumiu o estado desde 1999 atira em qualquer projeto a favor do estado visando impedir sua implantação, para na condição de vítima, se apresentar como solução para o país. Fez isso quando saiu de Campos se propondo a ter o controle do estado para ajudar sua região. A bem da verdade, os resultados todos conhecem.

Seria injusto de minha parte, atribuir unicamente ao governo estadual o resultado negativo ao pleito regional pela localização do pólo petroquímico, da mesma forma que não se pode desconsiderar a politização que ganhou a questão depois da intervenção do casal.

O debate sobre esta e outras questões políticas são saudáveis, mas, o nobre edil vai me desculpar, ele tem a representatividade do voto que lhe outorgou o mandato para a representação política no legislativo municipal, mas isso não lhe dá o direito em se arvorar a arbitrar a forma, o tempo e o conteúdo sob a qual a sociedade tem que reagir. O vereador sabe muito bem qual é o grupo político que segue cegamente seu caudilho. Não diria que o vereador faz isso de cócoras, não pelo respeito à sua posição política, mas pelas dificuldades de flexibilidade física que se esbanjam na flexibilidade ideológica.
PS.: Publicado na Folha da Manhã de 7 de abril de 2006.