29 maio 2006

A crença na democracia

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail:
moraes@fmanha.com.br

Uma coincidência. Num mesmo dia, o hábil jornalista Alexandre Bastos me liga para saber minha opinião sobre a política nacional ao se completar um ano da crise do “mensalão”. Menos de duas horas depois, a amiga Lígia me indagava sobre a situação política no país dizendo-se desorientada depois de tantas denúncias e problemas.

Parecia combinação. Falei para o Alexandre que ele sempre me fazia perguntas difíceis, da mesma forma que falei para Lígia que isso demandava conversa mais longa, porém, a ambos argumentei que a política é muito mais complexa do que imaginávamos até algum tempo atrás.

Nunca me esqueci de uma frase, atribuída ao ex-presidente José Sarney, que ao ser entrevistado disse que na sua terra a política era simples, ou, se está a favor, ou, se está contra. Não sei exatamente porque me lembro disso toda vez que ouço falar na velha rixa e no alto grau de disputa na política de São João da Barra.

Quem começou como eu a pensar e viver a política, a partir dos movimentos de esquerda que faziam oposição ao regime militar, acabou por incorporar ao seu cotidiano, certezas tão frágeis quanto o vaso de cerâmica alocado na janela do gestor de plantão. Os aprofundamentos destas certezas coincidiram com o desabrochar das dúvidas que hoje começam a dar sustentação à maior convicção que todo este processo gerou: a de que a democracia é o bem maior a ser preservado.

Tenho hoje uma clareza, tal qual o vício das clarividências do passado, que me aponta para o equívoco de se crer que os aliados são puros, éticos e competentes, na mesma proporção das impurezas, das desonestidades e das incompetências dos nossos adversários.

A análise mais acurada do presente não pode me impedir de enxergar as falsas virgens que tentam se gabar em meio à farra de um prostíbulo repleto de maracutaias. A sociedade, mesmo que parcimoniosa e quase silenciosa, está mais exigente. A ausência de uma campanha mais deslavada nas ruas a pouco mais de quatro meses da eleição, talvez seja esta pequena demonstração.

Por outro lado, julgo também que a classe média tem que sair do casulo em que se meteu como forma de se reafirmar pura e se apresentar ao mundo sustentando a tese de que, fora da política e da democracia não há salvação. Alguns ainda crêem que a corrupção possa ser evitada com um governo que não dependa do acordo no legislativo.

Estou convencido do inverso, só o contraditório, a fiscalização, o debate, enfim, a democracia poderá de forma efetiva controlar e melhorar nossos governos. Não falo de purificação porque venho aprendendo com a análise cotidiana que o desejo de aperfeiçoamento pode ser tão revolucionário quanto o tiro das falsas e hipócritas certezas.

Publicado na Folha da Manhã de 26 de maio de 2006.

13 maio 2006

Assim é a política!

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br

Assim é a política: horizontes de sonhos para o qual se caminha ao peso de bolas de ferro presas ao tornozelo. Não há rotas lineares; são todas labirínticas, acidentadas. Em cada curva, uma surpresa, obrigando o viajante a mudar o ritmo e refazer o mapa. Nas costas, a sacola atulhada de vaidades instransponíveis, maledicências, frituras e bajulações desmedidas.

Assim é a política: enfatiza o interesse público no discurso, mas o orador tende a pensar primeiro em seu alpinismo rumo ao cume do poder. Como a escalada é longa, difícil e perigosa, aprende a fazer concessões, abrir mão de princípios, enveredar por atalhos suspeitos, reinterpretar suas antigas convicções, desde que não retroceda.

Assim é a política: dança em que cada bailarino escuta um ritmo diferente; orquestra em que cada instrumento toca uma música distinta; coro em que cada cantor entoa segundo sua própria conveniência. A política é o resultado da sociedade que a produz e, em seu espelho, reflete todas as contradições.

Assim é a política: entre tanto esterco, um diamante lapidado, um administrador eticamente ousado, um parlamentar disposto a perder o mandato, mas não a moral. Mas nela há também lugar para o jogo de cena, a mentira deslavada, as lágrimas de crocodilo. A política é uma senhora sisuda que se julga bela e sedutora, acima de qualquer juízo. Irrita-se quando a criticam. Odeia cobranças. Mas mendiga, em cada esquina, reconhecimento e elogios. Alimenta-se da mesma ração de Narciso.

Assim é a política: igreja em que todos se julgam com vocação para papa; seita em que todos se acham profetas; púlpito em que todos proferem vaticínios. Mas onde as palavras tardam em se transformar em atos e as idéias e projetos, em realizações.

Assim é política: contraria as leis da física, nela dois corpos ocupam o mesmo espaço e o quente é frio e o frio é quente. E também de geometria, pois duas paralelas se encontram bem antes do infinito. O que atrai hoje, amanhã repele; o que agora próxima, depois distancia. E toda vez que o sol sobe, todas as estrelas vão atrás. Insaciadas com o brilho próprio procuram, com a Lua, também refletir o dele.

Os parágrafos acima são de Frei Beto. Retirei-os do penúltimo capítulo do seu mais recente livro: A mosca azul. Intitulei o artigo com o chavão que dá arma ao texto: Assim é a política! Ele é para mim um verdadeiro libelo sobre a política e os políticos. Admiro a sua crença e a sua opção pelos pobres e quase na mesma medida, desdenho a sua ingenuidade para com o chamado movimento popular e as entidades da sociedade civil. Tudo isso, porém, não invalida, muito pelo contrário, reforça minha admiração pelas suas análises e reflexões a respeito do papel da política como o único instrumento de transformação da realidade social em qualquer parte do planeta.

Publicado na Folha da Manhã de 12 de maio de 2006.

06 maio 2006

Fome de poder

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail:
moraes.rol@terra.com.br

Quando o assunto é recorrente não adianta fugir dele. Ele está no cafezinho, no barbeiro, no ônibus, na sala de aula, etc. Talvez este fosse o intuito do grevista. Porém, ele sabe mais do que muito de nós, que uma coisa é ser bem e outra mal falado. É papo furado o slogan que diz: falem mal, mas falem de mim. Garotinho perde com esta iniciativa muito mais que os quilos excedentes de seu corpo. Com ela vai pelos ares mais do que uma sonhada nova candidatura a presidente, mas a possibilidade de ser visto como alguém equilibrado para enfrentar os graves problemas do país.

A greve de fome é o tipo da decisão de último recurso e mais comum de ser utilizada por prisioneiros, sindicalistas ou líderes de movimento social e ainda assim, precisa estar muito bem situado na opinião pública e com credibilidade para que possa criar comoção que leve seus adversários ao atendimento das reivindicações. Até um pequeno menino sabe que a decisão de fazer uma greve de fome, só deixa como brecha para se sair bem dela, o atendimento aos pleitos. O cenário não aponta perspectivas para este caminho. Vislumbrar algo nesta linha beira a um perigo maior do que a demagogia, a do messianismo.

Uma análise simplória que tentasse identificar os motivos e as estratégias de tal atitude vai levar à conclusão de que o ex-governador ao tomar tal medida, estava diante de uma grave situação com o avanço de novos fatos e questionamentos de desvio de verbas e caixa dois. Com a greve o que o ex-governador mirou não foi só o velho truque de se fazer de vítima, mas também a tentativa de mudar o rumo das matérias jornalísticas.

O ex-governador tem ainda como horizonte as próximas pesquisas eleitorais que regularmente são feitas na primeira semana de cada mês. Mirou ainda a reunião nacional do PMDB marcada para o dia treze de maio quando os adversários da candidatura própria pretendem detoná-lo. O ex-governador imagina que seus adversários não ficarão bem na fita se tomarem esta decisão contra um partidário que já estaria duas semanas em jejum.

A população não costuma tratar bem os políticos que mostram apetite descomunal para o poder. As exceções dos persistentes que, depois de várias tentativas, chegaram ao poder máximo dos seus países indicam que, antes de qualquer coisa, eles tiveram que se mostrar mais humildes e servis ao seu povo do que ao seu anseio pessoal.

O possível agravamento do seu estado de saúde até poderá trazer a compaixão de uma parte maior do povo, mas jamais lhe devolverá a confiança que alguns depositavam em lhe entregar o comando maior do nosso país.

Por conta disso, vejo que Garotinho ao mirar em desejos que nem sempre são possíveis na vida e na trajetória até de um excepcional político, pode, como numa assombração, transformar o atual caso numa miragem que seria o fim prematuro da sua carreira política. Água para o garoto!

Publicado na Folha da Manhã em 5 de maio de 2006

03 maio 2006

Campos, crise sem fim!

Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
moraes.rol@terra.com.br

Enganados estavam aqueles que pensavam que com a eleição e posse do prefeito agora eleito, as coisas se acomodariam e a administração pública finalmente deslancharia em Campos. Coisa nenhuma. Uma nova viagem ao exterior do prefeito empossado na quarta-feira, Alexandre Mocaiber, já instalou uma nova crise que muitos tentam atenuar ou mesmo esconder.

A assessoria jurídica do prefeito entende, por uma interpretação da Lei Orgânica do município, que um afastamento inferior a quinze dias não gera necessidade de repassar o cargo ao vice-prefeito eleito, Roberto Henriques. Por conta disto, Mocaiber viajou sem passar o cargo.

O vice-prefeito não aceitou a situação e se considerou interinamente no cargo de prefeito nomeando assessores, assinando e publicando portarias, inclusive uma que determina aos subordinados do prefeito a obrigatoriedade de mantê-lo informado sobre as situações de rotina e as excepcionais, ato que seria desnecessário, e até ridículo, se não houvesse questionamento sobre a legalidade da sua interinidade. Imagine você que se a perdurar tal situação, todos os atos tomados neste período serão, no mínimo, passíveis de questionamentos sobre a sua legalidade.

Sob o ponto de vista político, a situação seria contornável se a questão se resumisse aos dez dias de afastamento, mas o tom das entrevistas do prefeito interino é a de quem quer dizer como as coisas têm que funcionar no município e não a de quem é parte de uma equipe.

Verdade que muita coisa precisa ser modificada e não adianta ficar só pregando a paz é preciso construí-la na prática. Algumas vezes será necessário contrariar interesses. Não há como fazer um bom governo agradando a todos. Aliás, alguém já disse que o caminho mais rápido para o fracasso é o de tentar agradar a todos.

Quem não é ingênuo sabe que na gênesis deste problema está a questão das eleições de outubro próximo. Henriques não aceita que seu partido, o PDT, abra mão de lançar candidatos próprios aos cargos de deputado federal e estadual no município.

A população cansada já começa a ver e verbalizar que de eleição em eleição os nomeados trabalham não exatamente a favor da população, mas para seus projetos políticos. Enquanto isso, a cidade continua a jogar pela janela a oportunidade ímpar de deslanchar o seu desenvolvimento.

PS.: Registro os inúmeros e-mails e telefonemas de agradecimento de petroleiros e seus parentes pelo artigo da semana passada no qual fiz referência à importância deles na edificação da auto-suficiência. Na oportunidade pude também notar a indignação deles com a gestão da UN-BC (Unidades de Negócios da Bacia de Campos) por esta, até hoje, não ter promovido nenhum ato ou cerimônia para o trabalhador personagem imprescindível neste resultado. Ainda há tempo!

Publicado na Folha da Manhã de 28 de abril de 2006.