Auto-suficiência: aos petroleiros, o que é deles!
Roberto Moraes Pessanha
Profesor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br
João Amaro está tenso. Vai ao quarto do filho de cinco anos e vê que a febre, como de costume, em toda véspera de seu embarque para a plataforma está de volta. João percebe que o filho, toda a vez que isto se repete a cada 35 dias, finge dormir. Propositalmente não abre o olho como se não quisesse aceitar a despedida pelos próximos quatorze dias. João engole seco, beija a face da esposa, levanta a mochila, suspira fundo e vai em frente.
Segue até a rodoviária silencioso e pensativo. Enfrenta os mais de cem quilômetros de uma estrada perigosa até o aeroporto de Macaé. O período de tempo em que aguarda o vôo até sua plataforma não é menos tenso do que a despedida doída dos familiares.
Nunca conseguiu assimilar bem esta vida dupla e apartada entre trabalho e família ou entre e vida e trabalho. Permanentemente se pergunta e anseia por ter prerrogativa igual ao do irmão que, embora ganhando menos, tem o direito, que para muitos é normal e natural, de poder voltar todo dia para casa. Algumas vezes já sonhou com a cena de poder, como num filme romântico, chegar em casa gritar no portão pelo filho, abraçá-lo, levá-lo ao colo, beijar a esposa e dizer para ambos o quanto são importantes em sua vida.
João aprendeu com o tempo a apagar estes pensamentos que permeia os dias pré e logo após o embarque. Ouviu até alguém falar que se trata de ideologia defensiva, um conceito psicológico que faz alguém propositalmente esquecer algo ou alguém para poder seguir adiante...
Há vinte anos João repete esta rotina. Neste período o filho cresceu. Neste ano concluirá o curso de engenharia, que um dia sonhou cursar. Restringiu-se ao curso técnico da Escola Técnica Federal de Campos, atual Cefet, titulação da qual se orgulha pelos resultados alcançados.
Entrou para a empresa logo após o acidente que produziu 36 mortes na plataforma de Enchova. Aprendeu a conviver com o risco. Viu o aumento vertiginoso da produção chegar junto da automação e da redução dos efetivos embarcados. Sofreu com a implantação do operador faz-tudo, mas ajudou o sindicato na campanha contra o polivalente e o operador mantenedor.
O afundamento da P-36 lhe doeu fundo na alma, pela perda de amigos e pela visão de uma realidade que sempre lhe pareceu impossível pela grandiosidade daquele sistema técnico: o afundamento de uma plataforma, como um monte de ferro-velho retorcido.
Com satisfação e agora com um certo cansaço, viu chegar a política de SMS com uma relação mais humanizada nas relações de trabalho. Hoje com algumas articulações embarca ou desembarca um dia antes ou depois numa flexibilidade que lhe faz sentir mais humano. Nesta rotina João viu seu trabalho ajudar o país chegar a esta comemorada auto-suficiência. Não reclamou por não ter sido convidado para a cerimônia. Hoje reunirá os filhos, a esposa-parceira e os amigos mais próximos diante da Tv para com peito estufado e, provavelmente com os olhos lacrimejados dizer: isto aí tem uma porçãozinha do meu trabalho e do nosso esforço.
PS.: Este artigo real, mas com personagem fictício é uma homenagem a quem efetivamente deu o seu suor e o seu sangue para este sucesso: o petroleiro da Bacia de Campos!
Publicado na Folha da Manhã em 21 de abril de 2006.
Profesor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br
João Amaro está tenso. Vai ao quarto do filho de cinco anos e vê que a febre, como de costume, em toda véspera de seu embarque para a plataforma está de volta. João percebe que o filho, toda a vez que isto se repete a cada 35 dias, finge dormir. Propositalmente não abre o olho como se não quisesse aceitar a despedida pelos próximos quatorze dias. João engole seco, beija a face da esposa, levanta a mochila, suspira fundo e vai em frente.
Segue até a rodoviária silencioso e pensativo. Enfrenta os mais de cem quilômetros de uma estrada perigosa até o aeroporto de Macaé. O período de tempo em que aguarda o vôo até sua plataforma não é menos tenso do que a despedida doída dos familiares.
Nunca conseguiu assimilar bem esta vida dupla e apartada entre trabalho e família ou entre e vida e trabalho. Permanentemente se pergunta e anseia por ter prerrogativa igual ao do irmão que, embora ganhando menos, tem o direito, que para muitos é normal e natural, de poder voltar todo dia para casa. Algumas vezes já sonhou com a cena de poder, como num filme romântico, chegar em casa gritar no portão pelo filho, abraçá-lo, levá-lo ao colo, beijar a esposa e dizer para ambos o quanto são importantes em sua vida.
João aprendeu com o tempo a apagar estes pensamentos que permeia os dias pré e logo após o embarque. Ouviu até alguém falar que se trata de ideologia defensiva, um conceito psicológico que faz alguém propositalmente esquecer algo ou alguém para poder seguir adiante...
Há vinte anos João repete esta rotina. Neste período o filho cresceu. Neste ano concluirá o curso de engenharia, que um dia sonhou cursar. Restringiu-se ao curso técnico da Escola Técnica Federal de Campos, atual Cefet, titulação da qual se orgulha pelos resultados alcançados.
Entrou para a empresa logo após o acidente que produziu 36 mortes na plataforma de Enchova. Aprendeu a conviver com o risco. Viu o aumento vertiginoso da produção chegar junto da automação e da redução dos efetivos embarcados. Sofreu com a implantação do operador faz-tudo, mas ajudou o sindicato na campanha contra o polivalente e o operador mantenedor.
O afundamento da P-36 lhe doeu fundo na alma, pela perda de amigos e pela visão de uma realidade que sempre lhe pareceu impossível pela grandiosidade daquele sistema técnico: o afundamento de uma plataforma, como um monte de ferro-velho retorcido.
Com satisfação e agora com um certo cansaço, viu chegar a política de SMS com uma relação mais humanizada nas relações de trabalho. Hoje com algumas articulações embarca ou desembarca um dia antes ou depois numa flexibilidade que lhe faz sentir mais humano. Nesta rotina João viu seu trabalho ajudar o país chegar a esta comemorada auto-suficiência. Não reclamou por não ter sido convidado para a cerimônia. Hoje reunirá os filhos, a esposa-parceira e os amigos mais próximos diante da Tv para com peito estufado e, provavelmente com os olhos lacrimejados dizer: isto aí tem uma porçãozinha do meu trabalho e do nosso esforço.
PS.: Este artigo real, mas com personagem fictício é uma homenagem a quem efetivamente deu o seu suor e o seu sangue para este sucesso: o petroleiro da Bacia de Campos!
Publicado na Folha da Manhã em 21 de abril de 2006.